Prefácio de Cabeça de José
por Luiz Bras*
Patrícia Galelli não tem medo de viajar pra fora do mapa. Ou pra dentro do corpo. Depois de desossar as violências mais íntimas nos contos de Carne falsa, agora ela traz notícias de uma insólita cidade chamada Paradoxo.
Cabeça de José é o guia turístico dessa cidade imaginária. Seguindo à risca sua desorientação topográfica, você visitará monumentos e miragens. O ponto mais pitoresco é o sistema nervoso de José, principalmente seu cérebro e sua mente, onde correm dois rios e certa felicidade leitosa.
Em Paradoxo vivem pessoas de cabeça exata, pessoas de cabeça vazia, pessoas de cabeça vizinha e pessoas-tipo-José. Umas são peçonhas, outras são pessonhos. A fala sonolenta de umas assovia nas retinas, o sono sem fronteiras de outras joga luz nos tímpanos.
O passeio pela cidade é pura diversão. Até certo ponto. A gente logo engole o sorriso quando percebe que os estúpidos e os estapafúrdios de Paradoxo são de carne e osso. Somos nós mesmos.
Que a autora conhece bem as sutilezas da ironia e da sátira não resta dúvida. Quem leu Carne falsa sabe do que estou falando. Patrícia é cruel com seus personagens e mais ainda com o leitor. Crueldade sofisticada. Pontiaguda.
Há algo de Sartre e dos grandes moralistas modernos na ficção dessa catarinense. O combustível de suas narrativas são as fraquezas humanas, que ela ridiculariza sem erguer a voz.
O texto é poético, mas o contexto é sempre incendiário, e as imagens viscerais de Yannet Briggiler potencializam esse fogo no oceano fisiológico. Lá no fundo do cérebro dos intestinos. Mais longe. No centro do coração dos pulmões.
Paradoxo é Floripa, é Sampa. É Nova York e Tóquio. Aceite o convite, não tenha medo de viajar pra fora do mapa. Ou pra dentro do corpo.
Cabeça de José reflete tudo, é um espelho impiedoso e irreverente. Ele dirá, na curvatura das elipses, que tipo de pessoa você é: de cabeça exata, de cabeça vazia, de cabeça vizinha ou tipo-José.
* Luiz Bras nasceu em 1968, em Cobra Norato, pequena cidade da mítica Terra Brasilis. É ficcionista e coordenador de laboratórios de criação literária. Na infância ouvia vozes misteriosas que lhe contavam histórias secretas. Só acredita em biografias imaginárias. E nos universos paralelos de Remedios Varo. Principais livros: Não chore (novela, Patuá, 2016); Subsolo infinito (Segunda edição, Patuá, 2016); Distrito federal (rapsódia, 2014), Pequena coleção de grandes horrores (minicontos, 2014) e Sozinho no deserto extremo (romance, 2012).