Primeiros lançamentos
por Graça Ramos*
O ano começou agora, às vésperas do Carnaval, para o mercado editorial infantojuvenil. O blog recebeu alguns lançamentos de 2015 e ainda vários livros editados no final de 2014. A leitura da maior parte deles não causou grande impacto e espero que isso não seja um indicativo para o ano. Entre nacionais e estrangeiros, eles confirmam que a literatura nesse segmento ainda vive muito do reconto, das adaptações e da ficcionalização de feitos históricos.
A princípio nada contra os três modos de configurar o narrar, todos são válidos e muito livro de boa qualidade já surgiu a partir da releitura de narrativas fictícias ou reais. A questão diz respeito ao fato de que a literatura se torna mais poderosa quando surgem narrativas com algum grau de novidade, aquelas que constroem inventos e, de alguma maneira, surpreendem o leitor. Na trama, na forma ou na maneira como o texto visual se articula com o verbal, a literatura para crianças e adolescentes exige descobertas e investigações talvez em maior intensidade da direcionada para adultos.
Como gosto de novidades, falarei primeiro de "Cabeça de José" (Nave), de Patrícia Galelli. Único dos livros avaliados em que identifiquei uma voz personalíssima, ele pode ser adotado para o universo juvenil, embora em sua ficha catalográfica esteja cadastrado apenas na categoria “Conto”. Ilustrado por Yannet Briggiler, o livro fala de uma cidade chamada Paradoxo, onde vive José, personagem que leva o leitor a viagens por sendas incomuns.
Se “na cabeça de José correm dois rios sem sentido”, de muitos sentidos se faz a prosa poética de Galelli. E também de não-sentidos nessa escrita que brinca com absurdos da linguagem, dos corpos e também das cidades. O inusitado José confunde helicóptero com satélite e é capaz de construir uma mini-hidrelétrica para dar luz aos pensamentos. As ações e o discurso dele o aproximam de reflexões existenciais de muitos “Josés” em plena adolescência, como na frase: “o tédio é uma morte que não desce do céu./: o tédio é a morte pendurada”.
As ilustrações em azul e branco sobre fundo preto, em papel com brilho, acompanham o delírio do texto verbal. Com diagramação também fora dos padrões – muitos parágrafos começam com dois pontos e em todo o texto somente nomes próprios aparecem em maiúsculas –, o livro confronta o leitor com seus paradoxos, lança-o ao desafio de alimentar alucinações. Apresenta, assim, a adultos ou adolescentes, as muitas cabeças de que somos feitos. Como não está claro para que leitor ideal se destina o livro, considero que o prefácio, escrito por Luiz Bras, nova assinatura do escritor Nelson de Oliveira, está endereçado a adultos, sendo pouco pertinente para o público juvenil.
* Graça Ramos [blog do jornal "O Globo", Rio de Janeiro, 10/02/2015.]